O pulso ainda pulsa.

Arnaldo Antunes, Tony Belotto e Marcelo Fromer, de maneira simples, eficaz e criativa, definiram muito bem a agonia do “ainda existo, mas não sou mais o mesmo”, em uma única frase: o pulso ainda pulsa. A sequência de doenças pretensiosamente soltas formando um casamento singular com uma melodia, no mínimo, deliciosamente marcante para quem viveu os anos 80, nem precisava estar ali, pois toda ideia se resolve em “o pulso ainda pulsa”. Genial.

Pois bem, a criação ainda pulsa. A criatividade em publicidade ainda pulsa. OK, concordo, o pulso não é o mesmo, mas ainda há muita propaganda incrível veiculando nos mais diversos meios de comunicação. Aliás, aproveito um paralelo com a música dos Titãs, que foi composta e gravada por volta de 1988, mais ou menos o mesmo tempo em que a criação ainda era o grande diferencial nas agências, para dizer que o pêndulo das tendências está embalando em retorno. Por tudo que ouvi, creio que duas ou três décadas antes dos fervorosos anos 80, os criativos eram a verdadeira propaganda, tanto que vários talentos da literatura, do cinema e das artes daquele período começaram ou sustentaram o início de suas carreiras atuando em agências de propaganda.

Não estou tentando dizer que os departamentos de criação voltarão a ser como eram há trinta anos. Não, não, longe disso ou de qualquer saudosismo. Minha proposta neste conteúdo é uma reflexão à necessidade de se manter a ideia criativa pulsando. E o argumento é simples: obviamente a tecnologia, nos últimos tempos, vem roubando nossa atenção. As transformações são exponenciais e para entender, basta reduzir a análise ao telefone, por exemplo. Parece incrível relembrar que por volta de 1995, muita gente estava na fila para ter um celular e hoje todos têm pelo menos um aparelho que serve para tudo, inclusive falar via chamada tradicional, mas que realmente é usado para diversos outros fins, inclusive fazer um Pix, talvez seja a mais recente das utilidades.

Dentro das agências de propaganda e dos departamentos de marketing dos clientes não foi diferente. A atenção voltada para as plataformas ou ações on-line foram mais importantes do que ter uma boa e planejada ideia. E não há qualquer juízo de valor nisso, pois a onda foi tão avassaladora que vimos surgir desde a necessidade de colocar um site no ar a qualquer custo, muitas vezes sem objetivo algum, mas simplesmente porque “todos estão fazendo”. Do site ao aplicativo, passando pelo game e navegando por outras tecnologias, muitos confundiram ideia e trabalho de consolidação de marca com tecnologia.

Fica claro que o poder de uma boa ideia ainda faz muita diferença. Ou vocês ainda acham legal ficar recebendo e-mails ou banners de um produto que você pesquisou despreocupadamente por alguma curiosidade qualquer? Ou as chamadas idênticas em produtos distintos ainda parecem normais? Ou o bichinho num vídeo animado sem qualquer relação com o conteúdo parece disruptivo?  Sem dúvida alguma, a necessidade de entender, estudar, planejar, organizar para criar uma campanha realmente adequada está (ainda bem) retornando à prioridade nos debates entre clientes, agências, veículos e/ou plataformas (aqui vai um asterisco pessoal: se comunica ou serve de espaço para publicidade, sim, é veículo de comunicação).

Posso estar parecendo um romântico defendendo algo que não voltará mais. Concordo, não voltará na forma que já foi, mas será sempre importante contar com mentes criativas transformando o insight de marketing numa ideia bacana. A boa história, o bom conteúdo, o design agradável, o contexto contagiante: isso tudo não brota de dados, mas sim de ideias. Até porque se for tudo racional, sem emoção, aí sim o pulso irá parar. Mas, sinceramente, eu acredito: o pulso ainda pulsa.

Fernando Silveira
Presidente do SINAPRO-RS
Diretor da FENAPRO
CEO da Integrada Comunicação Total (Porto Alegre – RS)

Formado em Publicidade e Propaganda pela PUC-RS, ingressou no mercado publicitário na área de criação, atuando como redator, em 1993, na Martins & Andrade. Passou também pela Simbolo e depois foi para Santa Catarina, onde trabalho na Arplan-Prime, WG/Stalimir e Quadra, além de ser professor na faculdade de Publicidade e Propaganda na Unisul. Retornou em 2000 para Porto Alegre e fundou a Integrada Comunicação Total, onde lidera a empresa. Conta com pós-graduação (MBA) em Gestão Empresarial e Gestão de Projetos pela FGV.

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